Trabalho de investigação

Deficiência de vitamina A em pré-escolares da cidade do Recife, Nordeste do Brasil

Maria Magdala Sales de Azevedo, Poliana Coelho Cabral, Alcides da Silva Diniz, Mauro Fisberg, Regina Mara Fisberg, Ilma Kruze Grande de Arruda

Resumo

O objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência de deficiência de vitamina A (DVA) em pré-escolares da cidade do Recife, Nordeste Brasileiro. A amostra foi composta por 344 crianças, de 24 a 60 meses, de ambos os sexos, em 18 creches públicas da cidade do Recife, em 2007. O estado nutricional de vitamina A foi avaliado pelos indicadores bioquímico (retinol sérico) e dietético (inquérito de consumo alimentar) e o status pondo-estatural através dos índices antropométricos peso/idade (P/I), altura/idade (A/I) e peso/altura (P/A). A prevalência de níveis de retinol sérico baixos (<0,70μmol/L) foi de 7,7% (IC 95% 4,88 – 11,81), caracterizando a DVA como problema de saúde pública do tipo leve, segundo critérios da Organização Mundial de Saúde. Por outro lado, 29,6% (IC 95% 24,22 – 35,63) das crianças apresentaram níveis aceitáveis ou marginais (0,70 a 1,04μmol/L) de retinol. Em relação ao consumo de vitamina A, os valores abaixo da EAR (Estimated Average Requirement), de 210μg/dia para crianças de 24 a 47 meses e de 275μg/dia para crianças de 48 a 96 meses de idade foi de 8,1% e 21,3%, respectivamente. As prevalências de déficits antropométricos (<-2 escores –Z) nos pré-escolares foram de 2,5% para o indicador P/I, de 8,6% quanto ao A/I e de 1,5% em relação ao P/A. Os dados acima evidenciam a importância da institucionalização para o adequado estado nutricional das crianças e manutenção dos estoques adequados de vitamina A. Todavia, são necessários mais estudos enfocando pré-escolares não institucionalizados, ou seja, crianças que vivem fora do ambiente privilegiado das creches.

Palavras chave: Consumo alimentar, pré-escolares, vitamina A, deficiência de vitamina A, retinol sérico.


Research Paper

Vitamin A deficiency in preschool children of Recife, Northeast of Brazil

Summary

The purpose of the study was to evaluate the extent of vitamin A deficiency (VAD) among preschool children in the city of Recife, Northeast Brazil. The sample comprised 344 children of both sexes, 24 to 60 months old, in 18 public day care centres in the city of Recife, in 2007. The nutritional status of vitamin A was assessed by biochemical (serum retinol) and dietetic (vitamin A rich-food consumption) indicators and the pondo-stature status through anthropometric indicators weight-for-age, height-for-age and weight-for-height. The prevalence of hyporetinolemia (<0.70 μmol / L) was 7.7% (IC95% 4.88 - 11.81), which characterizes the VAD as a light-type public health problem, according to World Health Organization criteria. On the other hand, 29.6% (IC95% 24.22 - 35.63) of children had acceptable or marginal levels (0.70 to 1.04 μmol/L) of retinol. Regarding the vitamin A rich-food intake, values below the EAR (Estimated Average Requirement) - 210μg/day for children of 1 to 3 years old and 275μg/day for children of 4 to 8 years old - were 8.1% and 21.3% respectively. The prevalence of anthropometrical deficits (<-2 scores -Z) in preschool children were 2.5% for the indicator weight-for-age, 8.6% for height-for-age and 1.5% for weight-for-height. The research findings point out to the importance of institutionalization for the appropriate nutritional status of children and maintenance of adequate reserves of vitamin A. However, more studies are needed focusing on non-institutionalized preschool, or children living outside the privileged environment of public day care centres.

Key words: Food consumption, preschool children, vitamin A, vitamin A deficiency, serum retinol.


Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Faculdade de Saúde Pública Universidade de São Paulo (USP). Brasil

Introdução

Dentre as carências nutricionais de maior relevância, a deficiência de vitamina A (DVA) está presente como um grande problema de saúde pública no Brasil, principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Sudeste, em que se destacam os grupos de baixo nível socioeconômico (1-3). A Organização Mundial de Saúde (OMS) estimou que mais de 250 milhões de crianças em todo mundo têm reservas diminuídas de vitamina A (4).

Crianças em idade pré-escolar estão entre os grupos de risco para o desenvolvimento da DVA, devido ao seu rápido crescimento e desenvolvimento, e conseqüentemente, aumento das necessidades da vitamina. Além da exposição desse grupo etário às parasitoses, que estão frequentemente associadas com a diarréia (5, 6).

Há um amplo espectro de indicadores para a avaliação do estado nutricional de vitamina A (7) e a mesma tem sido diagnosticada a partir de indicadores clínicos, bioquímicos e dietéticos (4).

As alterações subclínicas da DVA acontecem de forma mais precoce (8) e há de se considerar, que em pré-escolares, geralmente ocorrem com níveis de retinol sérico < 0,20mg/dL ou 0,70mmol/L (4). Estima-se que o número de crianças com carência marginal de vitamina A seja entre 5-10 vezes maior do que as que apresentam manifestações clínicas da deficiência (9).

O principal fator determinante da DVA, segundo estudos epidemiológicos, é a inadequação do consumo alimentar (10-12) que corresponde ao primeiro estágio da deficiência nutricional e pode ser detectada pelo inquérito dietético. Sendo este considerado um indicador precoce, pré-patológico da carência de vitamina A (13).

Pelo exposto acima, verifica-se a grande importância de analisar o estado nutricional da vitamina A em crianças em idade pré-escolar, visto a grande vulnerabilidade deste grupo a infecções e alterações oculares. Portanto, este estudo objetivou identificar o estado nutricional de vitamina A em pré-escolares matriculados em creches públicas da cidade do Recife/PE, Nordeste do Brasil.

Material e métodos

Estudo de caráter transversal, desenvolvido no âmbito do estudo multicêntrico intitulado: “Estimativa da prevalência de inadequação de nutrientes em crianças de diferentes Regiões do Brasil” coordenada pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP_EPM).

Participaram do estudo crianças na idade pré-escolar (24 a 60 meses), de ambos sexos, matriculadas em creches da prefeitura municipal da cidade do Recife, estado de Pernambuco, Nordeste do Brasil, no ano de 2007. Foram considerados como critérios de exclusão crianças que referiram a ingestão de suplementos vitamínicos e/ou minerais, que não obtiveram o consentimento por escrito dos pais ou responsáveis para a particpação na pesquisa e que 30 dias antes da coleta de dados e que apresentaram algum tipo de infecção.

O tamanho amostral foi determinado levando-se em consideração a prevalência de níveis inadequados de retinol sérico relatada na literatura para o estado de Pernambuco que é de 19,3% (14) a qual é inferior a prevalência de inadequação de consumo de vitamina A que fica em torno de 22% a 60% para Pernambuco e o Nordeste de um modo geral (1,2,15). Desse modo, com base nas fórmulas de Lwanga & Tye 1987 (16), adotando-se uma prevalência estimada de DVA de 20%, com uma margem de erro aceitável de 5%, uma confiabilidade de 95% e uma população em torno de 4000 pré-escolares, o tamanho amostral ficou em torno de 271 crianças. Para repor eventuais perdas, esse valor foi corrigido em 10%, totalizando uma amostra em torno de 298 indivíduos. As crianças foram selecionadas de forma aleatória, segundo a técnica de amostragem sistemática, uma vez que todas as creches públicas do município do Recife entraram no processo de casualização. Para a definição do intervalo amostral, tomou-se como base à equação descrita na fórmula :N/n=K; onde N é a população de estudo, n é o tamanho da amostra e K o intervalo amostral. Após o cálculo do intervalo amostral (K), fez-se um sorteio entre os números 1,2...K, onde o número sorteado foi chamado de início amostral (i). Logo, nestas condições, com apenas este sorteio, toda a amostra fica selecionada, sendo composta de unidades amostrais que tenham recebido os seguintes números (ou ocupem a posição correspondente), considerando-se a freqüência acumulada de todas as crianças elegíveis, segundo as creches identificadas no município de Recife: i, i + K, i + 2K, i+3K, ., ., ., i + (n – 1)K.

A coleta de dados obedeceu a uma agenda com datas préestabelecidas para as diferentes etapas de identificação, realização de exames antropométricos (peso, altura), bioquímicos (retinol sérico), bem como para o inquérito dietético (consumo alimentar).

A coleta para a análise do retinol sérico foi realizada nas creches sendo colhido 1ml de sangue por punção venosa cubital, pela manhã. O sangue foi colocado em tubos previamente identificados, e protegidos da luz, imediatamente após coleta. Após uma hora de decantação, as amostras foram centrifugadas a 3000 rpm (rotação por minuto) durante 10 minutos, separado o soro e acondicionado em tubos eppendorf e armazenado no freezer à temperatura de - 20°C. Em seguida, as amostras foram transportadas para o laboratório, em caixas de isopor com gelo, para análise pelo método cromatográfico, utilizando-se a Cromatografia Líquida de Alta Resolução (High Pressure Liquid Chromatography - HPLC) (17). Para categorizar os níveis séricos de retinol foram considerados os pontos de corte de <10μg/dL (<0,35μMol/L) para teores deficientes, <20μg/dL (<0,70μMol/L) para valores baixos e os valores entre > 20μg/dL e < 30μg/dl (> 0,70 – <1,05) como marginais (18).

A análise do consumo alimentar foi realizada mediante inquérito recordatório de 24horas realizado com a mãe ou responsável pela condução da criança à creche. Foram registradas em formulário específico, informações sobre todos os alimentos ingeridos pela criança pela manhã, antes de ir para a creche, e na noite do dia anterior, anotando-se em medidas caseiras. Posteriormente, os resultados foram transformados em gramas utilizando o Guia prático para estimativa de consumo alimentar (19). Quanto às refeições realizadas na creche, foi utilizado o método de pesagem direta, no qual foram pesados todos os alimentos oferecidos à criança, bem como o rejeito de cada porção. Esses dados subsidiaram o cálculo da quantidade ingerida de cada alimento por criança. Esses resultados foram somados ao do recordatório de 24h e analisados pelo Sistema de Apoio e Decisão em Nutrição (NUT) (20), para a determinação do conteúdo de vitamina A na alimentação da criança.

Para estimar a prevalência de inadequação das dietas em relação a vitamina A foi considerado o valor da Dietary Reference Intakes (DRIs) proposto pelo Food and Nutrition Board – FND (21). Com o objetivo de determinar a variação intrapessoal do consumo alimentar foi aplicado mais um Recordatório de 24h em 20% dos pré-escolares, sorteados aleatoriamente. Estes novos inquéritos foram realizados com intervalo de pelo menos quinze dias entre as coletas, repetindo o procedimento adotado no primeiro dia de Recordatório de 24h. O ajuste da distribuição da ingestão de vitamina A foi realizado com a remoção do efeito da variabilidade intraindividual, pelo método proposto pelo Iowa State University (22,23). A prevalência de inadequação da ingestão de vitamina A correspondeu à proporção de indivíduos cujo consumo estava abaixo da Estimated Average Requirement (EAR) estabelecido para esse nutriente (21).

As medidas antropométricas (peso e altura) foram tomadas e registradas em formulário específico. Na tomada do peso, utilizou-se uma balança digital eletrônica, de marca Filizola, modelo Personal Line E-150 com capacidade de até 150kg e precisão de 100g. As crianças foram pesadas descalças e portando indumentária mínima. A altura das crianças, foi determinada com fita métrica de 150 cm marca Stanleymilimetrada, com precisão de 1 mm e exatidão de 0,5cm. A fita foi fixada na parede e as crianças colocadas em posição ereta, descalças, com os membros superiores pendentes ao longo do corpo, os calcanhares, o dorso e a cabeça tocando a parede (24). A avaliação do estado nutricional foi realizada utilizando-se os índices antropométricos peso/idade (P/I), altura/idade (A/I) e peso/altura (P/A); e o padrão de referência utilizado para avaliar a adequação dos índices foi o novo padrão da OMS, lançado em 2006 (25).

Como estimativa de condição socioeconômica, utilizouse o Critério de Classificação Econômica do Brasil proposto pela associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (26), que se baseia numa pontuação em função do grau de instrução do chefe de família e pela posse e quantidade de determinados itens. As classes econômicas são, então, estabelecidas em cinco níveis: A, B, C, D e E (26).

O algorítimo de análise proposto para o estudo envolveu, inicialmente, a observação do comportamento das variáveis segundo o critério de normalidade da distribuição. Quando as variáveis não apresentaram distribuição normal ou simétrica, procedeu-se a devida transformação logarítima, visando-se o uso preferencial da estatística paramétrica. A distribuição binomial das variáveis foi aproximada à distribuição normal pelo intervalo de confiança. As proporções foram comparadas utilizando-se teste de Fisher. As médias foram comparadas pelo teste t de Student (2 médias) e as medianas pelo teste UMann Whitney (2 medianas).

Foi utilizado o nível de significância de 5% para o teste de normalidade das variáveis, bem como, para a rejeição da hipótese de nulidade. A construção do banco de dados e a análise estatística foram desenvolvidos no programa estatístico Statistical Package for Social Sciences Versão 12.0 (27).

A pesquisa foi aprovada no comitê de ética do Instituto de Medicina Integral Prof Fernando Figueira, processo n° 1135 de 07 de março de 2008.

Resultados

Foram estudados 344 pré-escolares de 24 a 60 meses de idade, procedentes de creches públicas do município de Recife, sendo 180 do sexo masculino (52,3%) e 164 do sexo feminino (47,7%). Em 333 crianças, procedeu-se a avaliação antropométrica, em 260, avaliação bioquímica e em 342, avaliação dietética. Em 6 crianças foram descartadas as tomadas de peso e altura, por inconsistência dos resultados, e em 5 crianças essas variáveis não foram aferidas. Em 11 crianças não foi possível a determinação dos níveis séricos de retinol por recusa da criança e/ou responsável, ou por fatores de ordem técnica inerentes ao método de análise; e em 2 delas não foi possível realizar o inquérito dietético, em virtude do não comparecimento da criança à creche no dia da coleta de dados.

Segundo o nível socioeconômico, 32,5% das crianças pertenciam a famílias da classe econômica C, 57,5% da classe D e o restante ficaram entre as classes B (1,2%) e E (8,8%).

As concentrações de retinol sérico apresentaram distribuição normal, com média de 1,16μmol/L (33,1μg/dL) e desvio-padrão de 0,33μmol/L (9,5μg/dL). A prevalência dos níveis deficientes e baixos de retinol sérico (<0,70μmol/L) foi de 7,7% (IC 95% 4,88 – 11,81), enquanto 29,6% (IC 95% 24,22 – 35,63) das crianças apresentaram níveis aceitáveis ou marginais (> 0,70 a <1,05μmol/L) de retinol. Apenas duas crianças apresentaram níveis de retinol sérico < 0,35μmol/L. Os níveis de retinol sérico mostraram comportamento distributivo homogêneo com relação às variáveis sexo (p=0,9309) e idade (p=0,5100).

Em relação aos níveis médios de consumo da vitamina A, foi evidenciada a não normalidade da distribuição. Então esses dados foram convertidos para o seu logaritmo natural e testados novamente não atingindo a normalidade. Desse modo, a mediana para as crianças de 24 a 47 meses foi de 704μg/dia e os percentis 25 e 75 foram de 415,25 e 1445,00μg/dia, respectivamente. E para as crianças acima de 47 meses a mediana foi de 595,00μg/dia e os percentis 25 e 75 foram de 296,5 e 1040,50μg/dia, respectivamente. Devido a distribuição não gaussiana desses resultados não foi possível avaliar a prevalência de inadequação, sendo avaliado apenas se o valor encontrado estava abaixo da EAR estabelecida para a vitamina A (210μg/dia para crianças de 24 a 47 meses e de 275μg/dia para crianças de 48 a 96 meses de idade) que foi de 8,1% (24 a 47 meses) e 21,3% (48 a 60 meses). Quanto à relação do consumo de vitamina A com as variáveis sexo e idade, não houve diferencial estatisticamente significante (p =0,2639 e p=0,2756, respectivamente).

As prevalências de déficits antropométricos (<-2 escores –Z) nos pré-escolares foram de 2,5% em relação ao índice Peso/Idade, de 8,6% quanto ao índice Altura/Idade e de 1,5% em relação ao índice Peso/Altura. Por outro lado, 3,9% das crianças apresentaram excesso de peso segundo o índice Peso/Altura.(Tabela 1).

TABELA 1 Estado nutricional segundo índices antropométricos (peso/idade, altura/idade e peso/altura) em crianças de 24 a 60 meses de idade de creches do município de Recife, PE, 2007
TABELA 1 Estado nutricional segundo índices antropométricos (peso/idade, altura/idade e peso/altura) em crianças de 24 a 60 meses de idade de creches do município de Recife, PE, 2007
* Intervalo de Confiança de 95%

Na Tabela 2 estão apresentados os níveis séricos de retinol segundo o consumo de vitamina A dos pré-escolares. Não sendo encontrado diferencial estatisticamente significante destes níveis entre as crianças com ingestão de vitamina A acima ou abaixo da EAR de referência.

TABELA 2 Níveis séricos de retinol segundo o consumo de vitamina A em crianças de 24 a 60 meses de idade de creches do município de Recife, PE, 2007
TABELA 2 Níveis séricos de retinol segundo o consumo de vitamina A em crianças de 24 a 60 meses de idade de creches do município de Recife, PE, 2007
*Teste de Fisher p= 0,6315 **Teste de Fisher p= 0,2903

Discussão

A deficiência de vitamina A continua sendo a causa principal de cegueira noturna evitável no mundo e está associada a 23% de mortalidade por diarréia em crianças (28).

Os dados referentes ao nível socioeconômico das crianças do presente estudo, em que 32,5% foram de classe C e 57,5% de classe D, estão de acordo com os apresentados pela ABEP (26) em que 34,1% da população da Região Metropolitana do Recife foram de classe C e 40,7% de classe D. Segundo Castro et al. (29) variáveis como renda familiar e escolaridade, refletem na produção e na aquisição de alimentos e, conseqüentemente, no estado nutricional.

Segundo os critérios adotados pela OMS para classificar a magnitude da DVA (18), a prevalência desta deficiência em crianças de creches públicas encontrada no presente estudo (7,7%), configura a hipovitaminose A na cidade do Recife como um problema de saúde pública do tipo leve. Fernandes et al. (15) em 1999 pesquisou a mesma população de estudo e seus resultados foram semelhantes aos nossos, em que sua prevalência de inadequação do retinol sérico foi de 7,0%.

Em outros estudos a prevalência de inadequação do retinol sérico encontra-se elevada (9, 28), entretanto o ponto de corte utilizado para definir a DVA foi o retinol sérico abaixo de 1,05μmol/L. Este valor já foi intervalidado com outros indicadores bioquímicos, onde crianças com retinol sérico abaixo de 1,05μmol/L apresentaram resposta positiva a suplementação de vitamina A e está sendo cada vez mais utilizado, contudo, ainda não está totalmente elucidado (30). E alguns pesquisadores (3,15) continuam utilizando o ponto de corte recomendando pela OMS (18). Além disso, se formos comparar os resultados do nosso estudo com os de Ramalho et al. (9), utilizando o retinol sérico abaixo de 1,05μmol/L para classificar inadequação, a DVA encontrada nas duas pesquisas foi semelhante (37,3 e 34,7%, respectivamente).

A análise do consumo de vitamina A dos pré-escolares do presente estudo quando comparados aos padrões de recomendações para a ingestão média, mostrou adequação do consumo. De um modo geral, nossos resultados contradizem os da literatura referentes a estudos regionais e nacionais sobre o estado nutricional de vitamina A das crianças. Marinho & Roncada (1) ao estudarem a ingestão alimentar em pré-escolares institucionalizados da Amazônia, encontraram que a ingestão média de vitamina A estava deficiente, sugerindo que a avaliação do consumo de vitamina A através da freqüência indicaria com mais segurança a ingestão da vitamina. Fernandes et al. (15) observou em 78% das crianças em idade pré-escolar 100% de adequação da ingestão dessa vitamina, porém o critério utilizado para classificar a adequação do consumo foi a RDA. Do mesmo modo, tendo em vista a metodologia utilizada e o fato desses estudos terem sido realizados antes da utilização das DRIs, que foram liberadas em 2001 (21). Portanto, não foi possível comparar os nossos dados com os demais abordados pela literatura. Havendo a necessidade de mais estudos em nossa região para o diagnóstico mais recente da situação de inadequação do consumo de vitamina A segundo a EAR.

É importante lembrar que no Brasil, com ênfase na região Nordeste, o déficit de ingestão energética ainda persiste como problema nutricional e repercute negativamente no seu potencial de crescimento (31). Sendo a fase pré-escolar de rápido crescimento e desenvolvimento, é de grande importância a adequação de energia e nutrientes (6).

Tendo em vista que as crianças passam um período do dia na creche, destaca-se que esse ambiente é privilegiado para a promoção de estilos de vida e alimentação saudáveis (31), sugerindo a importância do papel das instituições na alimentação infantil. O fato de freqüentar creches proporcionaria acesso a uma alimentação regular e equilibrada, que vem reforçar o papel da instituição no suprimento dos requerimentos nutricionais. Essa mudança de comportamento é observada por Santos et al. (2) que encontrou em crianças não institucionalizadas que viviam na zona rural de Minas Gerais 63% de inadequação no consumo de alimentos fonte de vitamina A.

Não podemos deixar de chamar a atenção para as limitações do método de inquérito alimentar. Deve-se ter cautela para avaliar a DVA através de inquéritos dietéticos em virtude de que a biodisponibilidade de vitamina A em alimentos de origem animal é maior que em alimentos de origem vegetal, além da ausência de informações sobre sua absorção e utilização biológica. Adicionado a isto, as diferentes tabelas de composição de alimentos apresentam uma multiplicidade de informações e muitas vezes os dados da composição química dos alimentos regionais estão ausentes (15).

Dos déficits antropométricos avaliados destacou-se a prevalência do déficit estatural, A/I de 8,6% um pouco superior ao valor de 7,7% encontrado na III Pesquisa Estadual de Saúde e Nutrição (III PESN) realizada em Pernambuco em 2006 (32). Vale ressaltar, que apesar da baixa estatura ainda representar um problema de saúde pública no estado de Pernambuco e na amostra do estudo, houve uma melhora substancial em relação à II PESN (14) realizada em 1997 (A/I de 16,2%). Quanto a ocorrência de déficit pelos índices P/A e P/I os resultados foram similares aos da III PESN (32), com valores bem próximos àquele esperado em uma população que não sofra agravos nutricionais. Por outro lado, no que se refere ao excesso de peso a prevalência encontrada (3,9%) é bastante inferior a da III PESN (32) que foi de 8,8% e a do Brasil como um todo (7,3%) (33). A esse respeito, a creche pode ser um ambiente protetor contra a obesidade infantil, pois sendo institucionalizadas as crianças recebem praticamente 70% de suas necessidades nutricionais por meio de alimentação balanceada, durante praticamente dez horas por dia. Em decorrência disto, podem estar mais protegidas contra esse distúrbio nutricional em relação à população de crianças de um modo geral.

Em síntese, embora os dados desse estudo apontem a DVA como um problema de saúde pública do tipo leve, 29,6% das crianças avaliadas apresentaram níveis marginais de retinol sérico (0,70 μmol/L a 1,04μmol/L), o que as torna vulneráveis a infecções devido ao comprometimento do sistema imune que já pode ocorrer nesses níveis. Desse modo, são necessárias ações a curto, médio e longo prazos com o objetivo de restaurar os níveis séricos e proteger as crianças em idade pré-escolar dos efeitos adversos da DVA.

Agradecimientos

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo aporte financeiro e concessão de bolsa de estudo, ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), ao Ministério da Saúde (MS) pelo apoio financeiro, a Secretaria de Educação do município, pelo apoio logístico e aos estagiários pela importante contribuição na coleta dos dados.

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Recibido: 24-02-2010
Aceptado: 07-04-2010