Foi avaliado o consumo e concentrações intraeritrocitárias de folato em mulheres do Recife, Nordeste, Brasil, mediante estudo de corte transversal, envolvendo 360 mulheres, de 15 a 45 anos, aleatoriamente rastreadas, por amostragem em dupla etapa, de 9 Unidades Públicas de Saúde, em 2007-2008. O consumo de folato foi avaliado pelo Questionário de Freqüência Alimentar Quantitativo e comparado com os valores da Dietary Reference Intakes-DRI’s. O status orgânico de folato foi avaliado pelas concentrações intra-eritrocitárias. A media geométrica do consumo diário de folato foi 627,1[IC95%600,4-655,0] μg/dia. A freqüência de mulheres com risco de ingestão de folato abaixo da recomendação foi 16,0% para adolescentes (<330μg/dia) e 6,3% para adultas jovens (<320μg/dia). A prevalência de mulheres cujo consumo excedeu o limite máximo tolerável de ingestão foi de 48,0% (>800μg/dia) e 13,7% (>1000μg/dia) para adolescentes e adultas, respectivamente. A média das concentrações de folato eritrocitário foi de 1797,8 ± 357,1 nmol/L. O consumo de alimentos-fonte de folato não mostrou correlação com as concentrações eritrocitárias (r= 0,058 e p= 0,274). Maiores concentrações de folato eritrocitário foram observadas em mulheres adultas jovens (p= 0,004) e entre aquelas com renda até dois salários mínimos (p= 0,042). Nas mulheres do Recife, tanto o consumo de alimentos-fonte de folato como as concentrações eritrocitárias de folato elevaram-se em patamares superiores às recomendações internacionais.
Palavras chave: Consumo alimentar, mulheres, folato, fortificação, folato eritrocitário.
Folate food intake and red blood cell folate concentrations were assess in women from Recife, Northeast Brazil. Following a two stages sampling procedure, a cross-sectional study was carried out involving 360 women, between 15-45y, attending in nine Health Care Public Unit in 2007-2008. Folate intake was evaluated by a Quantitative Food Frequency Questionnaire, and compared with the values of the Dietary Reference Intakes- DRI’s. Folate status was evaluated by red blood cell folate concentrations. Geometric mean of folate intake was 627.1[IC95%600.4-655.0] μg/day. The frequency of women at risk for folate intake below the recommendation was 16.0% for adolescents (<330μg/ day) and 6.3% for young adult (<320μg/ day). The prevalence of women whose consumption exceeds the maximum tolerable intake was 48.0% (> 800μg/ day) and 13.7% (> 1000μg/day) for adolescents and adults, respectively. The mean of red blood cell folate concentrations was 1797.8 ± 357.1nmol/L. Folate richfood intake did not show any correlation with red blood cell folate concentrations (r= 0.058 and p= 0.274). Higher red blood cell folate concentrations were observed in adult young women (p=0.004) and among those with income up to two minimum wages (p=0.042). Folate rich-food intake as well as red blood cell folate concentrations among women from Recife were above the international recommendations.
Key words: Food consumption, women in reproductive age, folate, fortification, red blood cell folate.
Universidade Federal do Pernambuco/UFPE. Brasil
folato é uma vitamina B importante para o metabolismo, uma vez que está envolvida em um grande número de reações bioquímicas essenciais à vida (1). A compreensão do seu papel metabólico tem alcançado destaque no âmbito da saúde pública (2). Admite-se, de forma apriorística, que depois da deficiência primaria ou secundaria de ferro, o segundo fator em importância etiológica da anemia, principalmente na gravidez, seria a deficiência de ácido fólico. Mulheres em idade reprodutiva constituem um grupo vulnerável à deficiência de folato (3). Uma ingestão inadequada nesse período parece estar associada a uma maior incidência de más formações congênitas (4). Publicações científicas sobre as causas dos defeitos de fechamento do tubo neural são menos numerosas porem muitas afirmações consensuais baseadas em evidências clínicas apontam o ácido fólico como um fator de risco para os defeitos do tubo neural. Dados apresentados pela OMS, em 2003, colocaram o Brasil entre os 5 primeiros países com taxas elevadas de anencefalia e espinha bífida.(5)
São evidentes as dificuldades em se alcançar o requerimento de folato com uma dieta isenta de alimentos fortificados. Por sua vez, um aporte adequado dessa vitamina, mediante suplementação no período periconcepcional tem mostrado cobertura limitada e baixa efetividade. Logo, a fortificação de produtos com ácido fólico surge como uma alternativa para promover um aumento na ingestão dessa vitamina entre mulheres em idade reprodutiva. (6). Diante desse cenário, em 2001, o Ministério da Saúde do Brasil tornou obrigatória a adição de ferro (4,2 mg/100g) e ácido fólico (150 μg) às farinhas de milho e trigo, tendo como pressuposto aumentar a disponibilidade de alimentos ricos em ferro e ácido fólico para a população e, dessa forma, contribuir para a redução da prevalência de anemia e defeitos do tubo neural no país (7).
São escassas as contribuições na literatura alusivas ao consumo de folato no período periconcepcional. No entanto, estudos de abrangência nacional com gestantes têm demonstrado que o déficit no consumo desse micronutriente é um problema de saúde pública (8-12). Inquéritos dietéticos possibilitam identificar inadequações alimentares e permitem caracterizar hábitos e observar a evolução de uma população ao longo do tempo (13). Já os marcadores bioquímicos minimizam possíveis falhas quando do uso de inquéritos dietéticos, uma vez que refletem a quantidade ingerida e metabolizada de um nutriente (14). O marcador bioquímico de maior validade para avaliar as reservas de folato é a sua concentração nos eritrócitos, pois pode refletir o status da vitamina em longo prazo (15,16).
São desconhecidas, até o momento, investigações no contexto brasileiro que avaliaram o consumo de folato e suas concentrações eritrocitárias em mulheres em idade reprodutiva, após a implantação do programa de fortificação mandatória das farinhas de trigo e milho com ferro e ácido fólico. Este estudo teve por objetivo avaliar o consumo alimentar de folato e as concentrações intra-eritrocitárias dessa vitamina em mulheres em idade reprodutiva atendidas nas Unidades Públicas de Saúde do Recife, Nordeste do Brasil.
Foi desenvolvido um estudo de corte transversal, envolvendo mulheres em idade reprodutiva para a avaliação do consumo e concentrações eritrocitárias de folato. Os critérios de elegibilidade foram: idades entre 15 e 45 anos, inclusives, não grávidas e não lactantes, não usuárias de drogas que interferissem no metabolismo do folato e de suplementos vitamínicos contendo ácido fólico ou vitamina B nos últimos três meses, além de ausência de patologias endócrinas, autoimunes, alterações menstruais e anemia falciforme.
A determinação do tamanho amostral tomou como base para estimativa do número de mulheres que deveriam compor a amostra, uma prevalência de inadequação no consumo de folato de 50,0% (P), com precisão de 8,0% (d) e uma confiabilidade de 95,0% (z). Por se tratar de uma amostra em poli-etapas, foi considerada uma correção do efeito do desenho da ordem de 2,1 (c). O dimensionamento amostral foi calculado a partir da fórmula: n= z2 x P x (1-P) x c/d2 (17). A amostra mínima foi de aproximadamente 315 mulheres. Para suprir eventuais perdas, fez-se uma correção do tamanho amostral com adição de 15%, resultando numa amostra de 363 mulheres. No total, foram estudadas 360 mulheres. As perdas ocorreram por inadequação do material biológico coletado para análise das contrações de folato eritrocitário. A seleção da amostra deu-se por conglomerados, em dupla etapa. Do total de Unidades Básicas de Saúde do município (104) foram selecionadas, no primeiro momento, 9 (nove) Unidades de Saúde e, num segundo momento, foram selecionadas 40 mulheres fidelizadas às respectivas Unidades de Saúde, mediante o uso de uma tabela de números aleatórios, gerada pelo pacote estatístico Epi Info, versão 6.04 (CDC/WHO, Atlanta, GE, USA).
Foram coletados dados sócio-econômicos, mediante o uso das variáveis escolaridade, classificada em números de anos completos de estudo formal, e a renda familiar per capita, expressa em salários mínimos (equivalente a US$ 214,42).
Para avaliação do consumo de folato foi utilizado o Questionário de Freqüência Alimentar Quantitativo (QFA), previamente validado (18), com adaptações para alimentos de uso comum na região. O uso do questionário, previamente aplicado no contexto mexicano, ocorreu em virtude de que se trata de um questionário especifico para levantar dados sobre o consumo de folato em mulheres em idade reprodutiva, além do fato de que inexiste no Brasil um questionário especifico para avaliar consumo de folato nesse grupo populacional. O procedimento para aplicação do referido questionário seguiu todos os passos que configuram o rigor metodológico. O instrumento foi pré-testado em uma sub-amostra (n=30) de mulheres que apresentavam as mesmas características das mulheres incluídas no estudo. O QFA foi aplicado com o auxílio de um álbum com fotos coloridas de utensílios e alimentos, elaborados especificamente para a pesquisa, atendendo recomendações propostas por Medeiros et al. (19) e Zaboto et al. (20), objetivando uma melhor precisão das quantidades ingeridas. Os resultados foram transformados em gramas utilizando-se as tabelas de Pinheiro et al. (21), Fisberg et al. (22) e Martins (23), seguindo essa ordem de apresentação. Os alimentos e preparações específicas que foram citados e que não constavam nas referidas tabelas, foram adquiridos em supermercados e pesados em balanças analíticas de precisão (24).
O consumo dietético foi analisado pelo programa DietSys versão 4.01 (National Cancer Institute, Bethesda, MD, USA) que utiliza como base de dados a Tabela de Composição Química de Alimentos do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) (25). Adotou-se o referido instrumento em virtude de não haver tabelas brasileiras, até o momento, que analisassem alimentos fortificados com ácido fólico, em concentrações que se assemelham às estabelecidas para enriquecimento das farinhas de trigo e milho no Brasil. Alguns alimentos não contidos no programa foram inseridos a partir de dados dos rótulos dos produtos.
Os resultados do consumo de folato foram comparados com os valores da Dietary Reference Intakes (DRI’s), propostos pelo Institute of Medicine (IOM) (26). A amostra foi dividida em duas faixas de idade (15 a 18 anos e 19 anos ou mais) levando em consideração as recomendações da DRI’s para cada grupo. Foram determinados como valores mínimos de ingestão do nutriente os valores de Necessidade Média Estimada (Estimated Average Requeriment – EAR), considerando-se em risco para ingestão insuficiente de folato as mulheres que não alcançaram a EAR, estabelecida como 330 μg para adolescentes entre 14-18 anos e 320 μg para mulheres com 19 anos ou mais. Para avaliar a possibilidade de efeitos adversos resultantes da ingestão elevada do nutriente, foi considerada a recomendação do Limite de Ingestão Máximo Tolerável (Tolerable Upper Intake Level-UL), de acordo com as faixas etárias pré-estabelecidas (800 μg para adolescentes entre 15-18 anos e 1000 μg para as mulheres com idade igual ou maior a 19 anos). Foi considerada em risco potencial a porcentagem de mulheres que excederam os valores de referência do UL para o nutriente.
Para análise das concentrações de folato eritrocitário, procedeu-se a coleta de 5 mL de sangue por punção venosa cubital. As amostras foram colhidas em Unidades dos Laboratórios NKB ou na própria Unidade de Saúde. A determinação da concentração de folato eritrocitário foi realizada por técnica de imunoensaio, utilizando a eletroquimioiluminescência em equipamento Elecsys® 2010 System da Roche Diagnostica Brasil (kit´s Elecsys® RBC Folate, Roche Diagnóstica do Brasil). A escolha do referido método foi pautada na revisão da literatura que indicava a Quimioluminescência em aparelho automatizado. Para as concentrações eritrocitárias foram adotadas as categorias: < 774,9nmol/L (baixas), 774,7 |⎯| 1780,8nmol/L (normais) e >1780,8nmol/L (elevadas), levando em consideração a referência laboratorial, de acordo com a técnica e equipamento utilizados na análise das amostras e as recomendações de Economides et AL (27).
A base de dados foi compilada no Programa Epi Info, versão 6.04 (CDC/WHO, Atlanta, GE, USA), em dupla entrada, e posterior uso do modo validate para checar eventuais erros de digitação. Para os testes estatísticos, foi empregado o programa Statistical Package for Social Sciences versão 13.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, USA). Inicialmente, as variáveis contínuas foram testadas segundo a normalidade da distribuição pelo teste de Kolmogorov-Smirnov com correção de Lilliefors. A variável consumo de folato que apresentou distribuição não normal sofreu transformação logarítmica (Ln) e foi retestada pelo mesmo teste de normalidade. As concentrações de folato eritrocitário tiveram distribuição normal e foram descritas sobre a forma de média e desvio padrão. Os dados de consumo, transformados em logaritmo neperiano, apresentaram distribuição normal, e foram descritos sob a forma de média geométrica e intervalo de confiança de 95%. Na comparação entre médias foi realizado o teste t de Student para dados não pareados, e no estudo de associação entre variáveis contínuas, o teste de correlação de Pearson. Foi considerado um nível de significância de 5% (p<0,05) para a rejeição da hipótese de nulidade.
O protocolo de estudo foi submetido e aprovado pelo comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Materno-Infantil, processo n. 907, em 15 de dezembro de 2006.
Foram estudadas 360 mulheres. As características sóciodemográficas mostraram que 78,6% das mulheres tinham renda familiar mensal de até dois salários mínimos, o que demonstra uma população de baixo nível sócio-econômico e que, 63,7% haviam concluído o ensino fundamental. A média de idade das mulheres foi de 31,03±8,36 anos. Quanto à distribuição etária, houve um número significantemente menor (p= 0,000) de mulheres na faixa etária de 15-18 anos (6,9%), comparado com aquelas mulheres de idade igual ou maior a 19 anos (93,1%). A ingestão de folato da casuística como um todo foi, em média, de 627,1[IC95% 600,4-655,0] μg/dia, considerada acima das necessidades estimadas para população. O consumo médio de folato entre as faixas etárias e a prevalência de indivíduos de cada estrato cuja ingestão está abaixo da recomendação (EAR) podem ser observados na Tabela 1. Um fato que chama atenção é a baixa freqüência de mulheres com risco de ingestão insuficiente de folato para ambas as faixas etárias. A prevalência de mulheres que podem estar em risco de efeito adverso à saúde, devido à ingestão excessiva de folato foi elevada (48,0%), para aquelas com faixa etária entre 15-18 anos.
Não foram encontradas diferenças entre as médias do consumo de folato e as covariáveis escolaridade, idade e renda familiar (Tabela 2). Por sua vez, mulheres com renda de até 2 salários mínimos apresentaram uma tendência de ingestão de folato, maior comparada àquelas com renda superior a 2 salários mínimos (p=0,06), embora não validada do ponto de vista estatístico.
A média das concentrações de folato eritrocitário foi de 1.797,8 ± 357,1 nmol/L, onde 0,6% das mulheres apresentaram reservas baixas (< 774,9 nmol/L), 50,8% estavam dentro da faixa de normalidade (774,9|⎯|1780,8 nmol/L), e em 48,6% as concentrações situaram-se em patamares considerados elevados (1780,8 nmol/L).
Maiores concentrações de folato eritrocitário (p=0,042) foram observadas em mulheres que apresentaram renda per capita inferior a 2 salários mínimos. Por sua vez, mulheres entre 15-18 anos apresentaram concentrações menores de folato (p=0,004), quando comparadas com aquelas na faixa etéria igual ou maior de 19 anos.
O consumo alimentar de folato não mostrou correlação com as concentrações de folato eritrocitário (Figura 1).
Poucos estudos avaliaram o consumo de folato e o efeito da sua exposição dietética sobre as concentrações eritrocitárias em mulheres em idade reprodutiva, após a regulamentação do programa de fortificação das farinhas de trigo e milho. A determinação desses parâmetros é importante para o monitoramento e avaliação da eficácia e efetividade do programa.
Na casuística observada, a freqüência significativamente maior de mulheres com idade acima de 19 anos, comparada às adolescentes (15-18 anos), poderia ser atribuída à baixa procura dessas adolescentes ao atendimento nas Unidades de Saúde, considerando que elas estariam menos expostas aos riscos e agravos à saúde, bem como teriam menos suscetibilidade biológica para o adoecimento. Deve-se salientar que em virtude do delineamento não ter utilizado como pressuposto uma seleção amostral com partilha proporcional referente a distribuição etária, gerou uma distribuição heterogênea da idade na casuística, predominando mulheres de maior idade.
O consumo de folato é um fato que merece atenção. Nas mulheres do Recife, nordeste do Brasil, a média encontrada foi 627,1[IC95% 600,4-655,0] μg/dia, superior ao descrito por Ferreira et al. (404,7 μg/dia) ao avaliar o consumo de folato em mulheres em idade reprodutiva da cidade de Porto Alegre–sul do Brasil (28), e por Salas et al. (422±222μg/dia), no México (18). Hertrampf et al. observaram uma ingestão média de 427±18μg/dia no Chile (29), e Rebolledo et al., 423,7±169μg/dia em mulheres de 18-36 anos de idade na região metropolitana do Chile (30). Dietrich et al. (31), utilizando dados do National Health and Nutrition Examintion Surveys (NHANES), conduzidos durante 1988-1994 e 1999-2000, mencionaram que o consumo de folato na população americana, pós-fortificação, era de 294±12,6 μg/dia e 302 ± 15,8 μg/dia em mulheres de 20-39 anos e 40-59 anos, respectivamente. Após a introdução da fortificação com ácido fólico nos Estados Unidos (EUA), Yen et al. (32) referiram que a ingestão de folato por mulheres entre 21 e 47 anos foi de 373,5 ± 155,6 μg/dia, e de 458,5 ± 221,5 μg/dia quando suplementadas. Resultados estes, inferiores àqueles observados na nossa investigação. É provável que essas flutuações encontradas em relação à literatura se devam aos hábitos alimentares e padrão dietético potencialmente diferentes de cada grupo populacional e contextos ecológicos dissimilares. Por sua vez, a população estudada apresentou um grande consumo de produtos à base de farinhas fortificadas com ácido fólico a exemplo dos pães, macarrão, cereais matinais, bolos e o cuscuz (prato à base de farinha de milho e leite). Isso poderia ser explicado pelo fato dos alimentos supracitados serem de custo mais accessível para população de baixa renda e, conforme podemos observar 78,6% das mulheres estudadas tinham renda familiar mensal de até dois salários mínimos.
A escassez de dados e as variações na metodologia e pontos de cortes encontrados na literatura dificultaram a comparação de dados referentes à freqüência de mulheres cuja ingestão de folato se aproxima ou afasta-se dos valores propostos pelas DRI’s.
A elevada proporção de mulheres (15-18 anos) que excedeu a UL para o consumo de folato é um fato que merece atenção. O excesso de ingestão desse nutriente pode mascarar a deficiência de vitamina B12, propiciando o desenvolvimento de danos neurológicos progressivos e irreparáveis através da provável desmielinização neuronial (33). No Canadá, muitos profissionais de saúde solicitam medidas de controle no incentivo à suplementação de ácido fólico em pacientes com altas concentrações de folato durante o período periconcepcional (34).
Em nossa amostra verificamos que a média das concentrações do folato eritrocitário foi superior (1.797,8 ± 357,1 nmol/L) às reportadas em outros estudos. Dietrich et al. (31) identificaram uma média de (556,0 ±1 8,5 nmol/L) para mulheres americanas entre 20-39 anos, e de 629,2 ± 21,5 nmol/L, para mulheres entre 40-59 anos, após a fortificação. Utilizando dados do NHANES 1999-2000 e o NHANES 2001-2002, foram observadas concentrações de folato eritrocitário da ordem de 634,2 ± 10,6 nmol/L e 628,3 ± 10,4 nmol/L) em americanas, respectivamente (35). Hertrampf et al. (29) constataram valores médios de (707,1 ± 179,0 nmol/L) em 605 mulheres em idade reprodutiva no Chile. Resultados mais próximos ao da nossa casuística foram relatados por Clifford et al. (36), na Califórnia (EUA), quando avaliaram mulheres acima de 18 anos, não grávidas, e não suplementadas com ácido fólico (1300,3 ± 47,1 nmol/L).
A média mais elevada das concentrações de folato eritrocitário observada na nossa investigação poderia ser atribuída ao enriquecimento das farinhas com concentrações de ácido fólico muito acima do estabelecido como valor mínimo pela legislação brasileira (150μg/100g). Boen et al. (37) analisaram os níveis de ácido fólico em algumas farinhas enriquecidas no Brasil e observaram que a concentração média de folato foi de 325± 22μg/100g para as farinhas de milho e 228μg ± 8μg/100g para as farinhas de trigo.
A tendência de um maior consumo de folato observado nas mulheres que recebiam até dois salários mínimos pode ser apoiada pelo status do folato intra-eritrocitário, que mostrou que quanto mais baixa a classe econômica, maior a concentração de folato eritrocitário. A influência da condição socioeconômica nos hábitos alimentares do grupo, associado às limitações dependentes do viés de memória de hábitos alimentares passados, poderiam explicar a tendência de consumo maior, embora não significativa. Garcia et al. (38) mencionaram que a condição econômica pode influenciar o perfil alimentar do grupo, podendo superestimar o consumo, para minimizar a dimensão da pobreza, ou subestimar segundo a expectativa do entrevistado com relação aos objetivos da pesquisa. O aumento das concentrações eritrocitárias de folato pode ser resultado do aporte nutricional da vitamina proveniente de alimentos enriquecidos. No extremo sul do Brasil, foi verificado que classes econômicas mais baixas consomem alimentos fontes de ácido fólico contido nas farinhas em quantidades satisfatórias (28). Estas podem ser consideradas fontes importantes na dieta da população menos favorecida, pois apresentam densidades energéticas elevadas e custo relativamente acessível quando comparadas a outras fontes alimentares. Darmon et al. (39), em um estudo realizado na França, constataram a influência da restrição econômica sobre a seleção de alimentos. Os custos para uma população de baixa renda podem influenciar o consumo de alimentos de maior densidade energética, a exemplo das massas, pão, biscoito, dentre outros.
De acordo com a Pesquisa de Orçamento Familiar realizada no Brasil pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2002-2003), os produtos de panificação representam 13,2% da distribuição percentual monetária, sendo o terceiro grupo de alimentos que gera maior dispêndio na região metropolitana do Recife (40). O alto consumo de alimentos de baixo valor nutricional, observado na nossa casuística, mostram-se semelhantes aos dados observados na literatura especializada. Esses achados evidenciam que houve um aumento nas três últimas décadas de cerca de 400% no consumo de produtos industrializados, como biscoitos, bolachas, macarrão, bolachas e farinhas de milho e farinha de trigo (pães e bolos)(41). Santos & Pereira (2007) apontam para questionamentos sobre a diversidade dos hábitos alimentares regionais que embasados nos dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF 2002-2003) permitem avaliar, em parte, a questão sobre os níveis de fortificação recomendados. Para os produtos farináceos encontrados com freqüência apreciável na POF (fubá, creme e flocos de milho, farinha de trigo, massas, panificados e biscoitos), a disponibilidade média diária domiciliar foi de 106,1g, permitindo um aporte adicional de ácido fólico de 0,16mg/dia, de acordo com o que prescreve a regulamentação (42). No entanto, esses dados podem estar subestimados tendo em vista que cerca de ¼ das despesas com alimentos ocorrem com refeições realizadas fora do domicilio(41).
A diferença encontrada nas médias de folato eritrocitário em relação à distribuição etária poderia ser atribuída à heterogeneidade no número de mulheres alocadas nas duas classes. Apenas 25 mulheres tinham idade entre 15-18 anos e 335 compreendiam mulheres com 19 anos ou mais. Uma distribuição mais homogênea entre as categorias poderia não refletir tal diferença. Numa primeira leitura a diferença observada nas faixas etárias parece ser um dado com pouca plausibilidade biológica, considerando que as mulheres que tinham menor consumo, apresentaram concentrações eritrocitárias maiores. No entanto, algumas considerações poderiam ser levantadas, como forma de explicar esse achado incomum. A primeira seria o fato de que como o folato eritrocitário é um indicador da reserva do status orgânico da vitamina suas concentrações refleteriam um consumo que se estenderia por um longo período anterior a avaliação do seu status. Outra possibilidade seria a de que mulheres na faixa etária de maior idade teriam uma freqüência de contatos com os serviços de saúde de forma mais regular e, consequentemente, teriam mais oportunidades de suplementação farmacológica por ocasião desses atendimentos. Outra possível justificativa seria a de que embora a ingestão de alimentos-fonte de ácido fólico seja menor no grupo etário de maior idade, as concentrações eritrocitárias poderiam ser maiores tendo em vista que esse grupo etário teria uma redução fisiológica da taxa metabólica global e, consequentemente menor utilização biológica dessa vitamina. No entanto, a interpretação desses achados merece a devida cautela considerando que os dados da literatura não são consensuais. Nesse sentido, Ferreira et al. (28) observaram uma correlação significativa entre a idade e consumo de alimentos-fonte de ácido fólico.
Por outro lado, a possível inserção dessas mulheres no mercado de trabalho, deslocando sua alimentação do ambiente doméstico pode ser um outro fator plausível para explicar o aumento nas concentrações de folato eritrocitários entre mulheres com 19 anos ou mais. Devido à praticidade, essas mulheres podem optar por alimentos semiprontos, pães, massas ou salgadinhos, com base em farinhas fortificadas. Nessas preparações, o ácido fólico se apresenta na forma sintética, portanto mais biodisponível quando comparado ao folato natural, podendo refletir níveis maiores de folato eritrocitário. Segundo Schlindwein et al. (43), a participação da mulher no mercado de trabalho pode afetar positivamente o consumo de alimentos mais práticos, o que demanda menos tempo para seu preparo. Garcia et al. (38) mencionaram que fatores sociais como escassez de tempo para o preparo de alimentos, aumento da distância do local de trabalho, número de pessoas que moram sozinhas, dentre outros, podem contribuir na alteração dos padrões de consumo alimentar.
A ausência de correlação entre o consumo de folato e o status orgânico dessa vitamina merece pelo menos três explicações. A primeira seria de ordem metodológica, considerando que podem existir diferenças entre a avaliação dietética e o real consumo do nutriente. A estimativa de consumo alimentar pelo QFA, embora representativo da dieta habitual, apresenta limitações. A acurácia com que os indivíduos recordam a ingestão de alimentos no passado pode levantar questionamentos, devido aos prováveis erros sistemáticos de memória, percepção das porções e interpretação das perguntas (44). Uma segunda explicação seria a ausência de tabelas nacionais de composição química de alimentos que levem em consideração os alimentos fortificados, podendo contribuir para possíveis diferenças encontradas quando se correlaciona à avaliação dietética com o parâmetro bioquímico. A tabela de composição de alimentos usada como base de dados no nosso estudo pode apresentar variações em relação ao teor do nutriente no próprio alimento, devido a fatores como forma de plantio, estocagem e processamento. Além do mais, leva em consideração um enriquecimento da ordem de 0,14 mg de folato/100g de farinha, e no Brasil, a fortificação de farinhas com folato corresponde a 0,15 mg/100g do produto. Em terceiro lugar, embora as concentrações de folato eritrocitário reflitam a ingestão da vitamina, os processos de digestão, absorção e metabolismo, além da presença de fatores como consumo de bebidas alcoólicas e fumo, podem ter implicações na relação quantidade ingerida do nutriente e mensuração bioquímica, causando variações nos níveis teciduais (44,45).
Concluindo, o consumo alimentar de folato e concentrações eritrocitárias em mulheres em idade reprodutiva atendidas nas Unidades Públicas de Saúde do Recife, Nordeste do Brasil, apresentaram-se acima das recomendações internacionais. Soma-se ao fato de uma elevada proporção de mulheres com ingestão superior a UL. É importante monitorar o enriquecimento das farinhas de acordo com as concentrações estabelecidas pelo programa de fortificação, e ter cautela no incentivo à suplementação de ácido fólico no período periconcepcional.
Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – Brasil, pelo aporte financeiro e concessão de bolsa de estudo, ao Ministério de Ciência e Tecnologia – Brasil, pelo suporte financeiro, à Secretaria de Saúde da cidade do Recife, pelo apoio logístico e à nutricionista Carla Enes, pela importante contribuição no treinamento do programa DietSys.
Recibido: 23-02-2010
Aceptado: 21-10-2010