Publicado: 20/08/2025
O expossoma é definido como a medida cumulativa de influências ambientais e respostas biológicas associadas ao longo da vida, incluindo exposições do meio ambiente, dieta, comportamento e processos endógenos. Esse artigo objetivou revisar os conceitos e características do expossoma, contextualizando o expossoma alimentar, seus métodos de avaliação e estudos relevantes sobre a associação entre dieta, metabolômica e desfechos em saúde. Trata-se de revisão narrativa, compilando as evidências científicas com base em artigos publicados a partir de 2005, quando o conceito de expossoma foi inicialmente citado. O expossoma alimentar se refere ao conjunto de exposições dietéticas de um indivíduo ao longo da vida, englobando nutrientes, não-nutrientes (polifenóis, carotenóides e outros compostos bioativos), contaminantes, aditivos alimentares e suplementos dietéticos. A partir da digestão, absorção e biotransformação desses nutrientes e compostos alimentares pelo metabolismo do indivíduo e da microbiota intestinal, diversos metabólitos são produzidos e podem ser quantificados, o que caracteriza o metaboloma alimentar. A mensuração do metaboloma alimentar pode auxiliar no entendimento e caracterização do expossoma alimentar individual ou de uma população, pois sua aplicação permite quantificar metabólitos endógenos, detectar químicos exógenos e identificar como o metaboloma responde aos fatores externos, como diferenças na dieta ou localização geográfica. Perante ao exposto, a dieta é uma das maiores fontes de exposição ambiental, considerando a sua característica biopsicossocial complexa e variável, tornando-se um atributo individual de alto potencial exploratório em abordagens de expossoma. Arch Latinoam Nutr 2025; 75(2): 222-233.
Palavras chave: Expossoma, Biomarcadores, Dieta, Doenças não Transmissíveis, Metaboloma.
The exposome is defined as the cumulative measurements of environmental influences and associated biological responses across the life cycle, including exposures from the environment, diet, behavior, and endogenous processes. This article aimed to review the concepts and characteristics of the exposome, contextualizing the food exposome, its evaluation methods and relevant studies on the association between diet, metabolomics and health outcomes. This article is a narrative review that has compiled scientific evidence from national and international literature published since 2005, when the concept of exposome was initially created. Food exposome refers to the set of dietary exposures of an individual throughout life, encompassing nutrients, non- nutrients (polyphenols, carotenoids and other bioactive compounds), contaminants, food additives and dietary supplements. From the digestion, absorption in the intestine and biotransformation of these nutrients and food compounds by the metabolism of the individual and the intestinal microbiota, several metabolites are produced and can be quantified, which characterizes food metabolome. Measuring food metabolome can help in understanding and characterizing the individual or population food exposome, as its application allows quantifying endogenous metabolites, detecting exogenous chemicals and identifying how the metabolome responds to external factors, such as differences in diet or geographic location. Given the above, diet is one of the largest sources of environmental exposure, considering its complex and variable biopsychosocial characteristic, making it an individual attribute with high exploratory potential in exposome approaches. Arch Latinoam Nutr 2025; 75(2): 222-233.
Keywords: Exposome, Biomarkers, Diet, Noncommunicable Diseases, Metabolome.
https://doi.org/10.37527/2025.75.3.007
Autor para la correspondencia: Dirce Maria Lobo Marchioni, e-mail: [email protected]
A alimentação e a nutrição são partes fundamentais da vida e, como tal, são exploradas por meio de várias ferramentas científicas. As áreas de toxicologia e epidemiologia, ao longo dos últimos séculos, já realizavam pesquisas para compreender a complexa relação entre doença e ambiente. Entretanto, os resultados eram difíceis de extrapolar para os seres humanos (estudos toxicológicos) e muitas vezes acabavam não avaliando o efeito da exposição de forma cumulativa (1). Com o avanço das técnicas e métodos nas últimas décadas, têm se desenvolvido novas oportunidades para avaliação das complexas redes de determinação dos estados de saúde doença, a partir de uma avaliação mais ampla e holística. Neste contexto foi cunhado o termo “expossoma” (2), e derivou-se também o conceito de expossoma alimentar. Nesse sentido, este artigo objetiva revisar os conceitos e características do expossoma e contextualizar o expossoma alimentar, seus métodos de avaliação e estudos relevantes sobre a associação entre dieta, metabolômica e desfechos em saúde.
Trata-se de artigo de revisão narrativa. O artigo origina-se de evidências científicas oriundas da literatura publicadas desde agosto de 2005, quandooconceitodeexpossomafoiinicialmente citado, incluindo estudos publicados até abril de 2024. Foram realizadas buscas nas bases de dados PUBMED/MEDLINE, LILACS e SciELO, além de escrutínio das listas de referências nos artigos selecionados para esta revisão. Foram utilizadas como palavras de busca os seguintes descritores: expossoma, biomarcadores, dieta, doenças não transmissíveis, exposição ambiental, metaboloma, multiômica. As informações foram analisadas e interpretadas por um grupo de especialistas na área com o intuito de fornecer subsídios para discussões e reflexões aprofundadas do tema. O texto foi dividido em seções: conceitos e a caracterização do expossoma; o expossoma alimentar; métodos de avaliação do expossoma alimentar; estudos de expossoma que abordam os nutrientes e compostos alimentares no ciclo da vida e nas doenças crônicas não transmissíveis, e conclusão.
O termo expossoma foi utilizado pela primeira vez por Wild (2) que o definiu como "a totalidade das exposições ambientais durante toda a vida, levando em consideração o período pré-natal até a morte, incluindo fatores de estilo de vida". Esse conceito surgiu a partir da necessidade de explicar a etiologia das doenças para além do biológico, buscando informações que pudessem somar a esse entendimento e completar lacunas não elucidadas pela genômica (3). Além disso, a fragmentação dos riscos ambientais levava a confusão sobre o que era essa exposição, sendo necessária a investigação conjunta desses fatores (4). Diante disso, o expossoma emerge como uma abordagem de exposição unificada, por meio da análise integrativa, longitudinal e precisa, permitindo a compreensão mais aprofundada e global das doenças (1). Assim como uma avaliação de forma mais crítica à exposição ambiental, otimizando o delineamento sobre a causalidade e prevenção das doenças (3). Nesse contexto, o expossoma abrange todos os fatores físicos, químicos, microbiológicos, atividades sociais, estilo de vida e meio ambiente, ou seja, é a soma do ambiente interno do corpo com a exposição externa ao meio em que o indivíduo vive e por isso a sua caracterização é desafiadora (5). Diante destas adversidades, adotaram-se metodologias que permitem avaliar o expossoma dentro de cada ambiente, sendo conhecidas como “bottom-up” e “top-down”. A primeira está relacionada à análise da exposição de fontes externas como: ar, água e dieta, e a segunda está voltada para medir marcadores no sangue que se relacionam ao ambiente interno do organismo de um indivíduo (4). Considerando a análise e caracterização da exposição, Wild (3) dividiu o ambiente em três domínios. O primeiro é chamado de expossoma interno que corresponde aos processos intrínsecos do organismo (metabolismo, hormônios, morfologia corporal, microbiota intestinal, estresse oxidativo, capacidade física). O segundo é conhecido como expossoma externo específico que se relaciona à radiação, agentes infecciosos, contaminantes químicos, dieta e estilo de vida, enquanto que o terceiro é classificado como expossoma externo geral, associado às questões sociais, econômicas e ambientais. Os aspectos dessas exposições também devem considerar a fluidez e dinâmica do expossoma, que se altera ao longo do tempo, sendo necessária a avaliação de todos os ciclos da vida do indivíduo. Entretanto, isso traz à tona outro obstáculo, que pode ser amenizado adotando-se método transversal em diferentes momentos, considerados como críticos e representativos (p. ex.: infância, adolescência e vida adulta), visando construir o monitoramento que representaria o expossoma de um indivíduo (3). A ideia que o expossoma é dinâmico e sofre alterações ao longo da vida trouxe indagações acerca dos processos de adaptação e desadaptação do corpo, do comportamento humano, das interações com o ambiente e dos processos endógenos. Diante disso, Miller e Jones (6) propuseram um conceito mais ampliado de expossoma, sendo considerado a "medida cumulativa de influências ambientais e respostas biológicas associadas ao longo da vida, incluindo exposições ao meio ambiente, dieta, comportamento e processos endógenos". Apesar de ser um conceito moderno e inovador, a ciência do expossoma ainda enfrenta muitos desafios. Especula-se que os estudos sobre expossoma possam evoluir e contribuir para a melhor compreensão do impacto das exposições no desenvolvimento de doenças e manutenção da saúde humana. Porém, é necessária a padronização na pesquisa expossômica e a colaboração entre os pesquisadores e profissionais de diferentes categorias (1,5).
O papel da alimentação na saúde humana encontra- se bem documentado na literatura, principalmente em se tratando de pesquisas epidemiológicas que mostram a relação entre a dieta e o desenvolvimento de doenças (7). Por exemplo, um indivíduo que vive 90 anos realizando pelo menos três refeições ao dia está exposto a diversos componentes alimentares, como nutrientes, compostos bioativos e outros compostos químicos mais de 95 mil vezes, sendo evidente o papel crucial que a dieta exerce no estado de saúde- doença (8). Apesar de décadas de evidências, o conhecimento atual de como os alimentos interagem com a saúde baseia-se em cerca de 150 componentes nutricionais monitorados e catalogados pelo United States Department of Agriculture (USDA) e outros bancos de dados internacionais, o que representa uma pequena fração dos mais de 26.000 mil compostos bioquímicos atualmente atribuídos aos alimentos (7). Devido a essa complexidade química, a dieta é mencionada desde as primeiras definições de expossoma como uma das maiores fontes de exposição ambiental, sendo apontada por Wild (3) como parte do expossoma externo específico do indivíduo. A necessidade de quantificar e caracterizar as exposições a alimentos e constituintes dietéticos é enfatizada há anos pela epidemiologia nutricional, perpassando pela prevenção e controle de doenças, definição de recomendações dietéticas mais assertivas e monitoramento das exposições dietéticas na população (9,10). Com isso, o termo expossoma alimentar passou a ser utilizado recentemente para conceituar o conjunto de exposições dietéticas de um indivíduo ao longo da vida, englobando nutrientes (macronutrientes, vitaminas e minerais), não-nutrientes (polifenóis, carotenóides e outros compostos bioativos), contaminantes, aditivos alimentares e suplementos dietéticos (11). Essas exposições participam de interações com estruturas macromoleculares do indivíduo, como receptores, enzimas e ácidos nucleicos, exercendo seu mecanismo de ação e modulando processos bioquímicos que levam a efeitos benéficos ou maléficos à saúde. Os nutrientes e outros compostos alimentares são integrados diretamente nas vias metabólicas como substratos, produtos, cofatores e elementos reguladores, desempenhando papéis essenciais em processos biológicos (12). A complexidades dessas interações envolve ainda a individualidade humana, visto que a resposta a compostos químicos depende de vários fatores, como os genéticos e epigenéticos, biológicos e cronológicos, microbioma, estado inflamatório e comorbidades preexistentes. Somam-se a esses fatores os aspectos geográficos que influenciam a natureza, sazonalidade e composição nutricional dos alimentos, características individuais, como preferências alimentares, os quais impactam na quantidade e frequência da ingestão de determinados alimentos e preparações, tornando a mensuração do expossoma alimentar um complexo desafio (11,12). A partir da digestão, absorção e biotransformação desses nutrientes e compostos alimentares pelo metabolismo do indivíduo e da microbiota intestinal, diversos metabólitos são produzidos e podem ser quantificados, o que caracteriza o metaboloma alimentar (13). A mensuração do metaboloma alimentar pode ajudar no entendimento e caracterização do expossoma alimentar individual ou de uma população (11,14). Nesse sentido, a metabolômica, nova fração do conjunto que compõe as ciências ômicas, surge como uma ferramenta promissora na avaliação do expossoma alimentar. Essa ciência é definida como o estudo sistemático de todos os processos químicos relativos aos metabólitos, fornecendo impressões químicas características de processos celulares específicos. O termo metabolômica nutricional, ou nutrimetabolômica, é utilizado quando estudamos os perfis de metabólitos para apoiar a integração entre a dieta e a nutrição do indivíduo, ou seja, quando se pretende identificar fenótipos individuais, por meio da medida de inúmeros metabólitos derivados da exposição a dietas ou padrões alimentares específicos (15). Por outro lado, o termo metabolômica alimentar tem sido aplicado quando se refere a avaliação da metabolômica em sistemas alimentares, incluindo recursos alimentares, processamento de alimentos e dieta, portanto, mais relacionado ao perfil metabólito dos alimentos (16). Assim, a metabolômica nutricional objetiva determinar os metabólitos derivados do metaboloma alimentar, buscando complementar o uso desses instrumentos clássicos de avaliação dietética e compará-los com biomarcadores dietéticos identificados e quantificados a partir dos metabólitos alimentares, auxiliando na caracterização do expossoma alimentar (17). A figura 1 ilustra o expossoma alimentar, metaboloma alimentar e ferramentas de análise.
A avaliação da exposição dietética é um dos aspectos mais desafiadores da área de nutrição, especialmente nos estudos que buscam estabelecer associações entre a saúde e o risco de doenças. Essa avaliação é essencial em estudos populacionais, devendo ser aplicável e realizada com precisão (18). Geralmente, os métodos tradicionais utilizados para coletar as informações quantitativas sobre a exposição alimentar são os diários ou registros alimentares, questionários de frequência alimentar e recordatórios de 24 horas. Esses métodos podem ser imprecisos para caracterizar e quantificar o consumo alimentar, pois estão associadas a erros aleatórios e sistemáticos decorrentes da dificuldade de obter informações, especialmente sobre a frequência do consumo alimentar, o tamanho das porções e a variação diária da ingestão. A existência de tabelas ou bases de dados de composição de alimentos apropriadas, completas, confiáveis e atualizadas também é um fator crítico da avaliação do consumo alimentar (19). Outro ponto que dificulta a avaliação do expossoma alimentar refere-se à complexidade da composição dos alimentos, tanto do ponto de vista qualitativo quanto do quantitativo, já que muitos compostos estão distribuídos de maneira diferente nos alimentos. Portanto, o uso da estratégia de biomarcador único compromete a sua utilidade, pois há uma série de fatores limitantes ao considerar esse biomarcador na avaliação da exposição alimentar (20). Considerando o risco dietético associado a substâncias químicas, destaca-se o desenvolvimento de métodos específicos para essa avaliação, os quais envolvem a coleta de dados sobre consumo alimentar, cálculo das exposições alimentares e, posteriormente, interpretação dessas exposições em termos de risco para o consumidor. Estes métodos consideram diferentes hipóteses e, portanto, levam a inúmeras incertezas e discrepâncias na estimativa da exposição. Portanto, autores têm sugerido o emprego de métodos de investigação adicionais para identificar a evolução do consumo e da contaminação ao longo do tempo, e assim avaliar o risco alimentar para a saúde ao longo da vida (21). Diante desse contexto, novas estratégias têm sido propostas para melhorar a avaliação da exposição alimentar com a descoberta e validação de biomarcadores apropriados para essa finalidade. Considerando a inexistência de um único método de abordagem universal capaz de identificar de maneira representativa a totalidade das exposições, os estudos expossômicos normalmente requerem uma combinação de múltiplos métodos para tal propósito (22). Dentre as diferentes estratégias, a aplicação de métodos para caracterizar o metaboloma humano permite obter informações não somente da medida de metabólitos endógenos, mas também têm sido sensíveis para detectar químicos exógenos e identificar como o metaboloma responde aos fatores externos, como diferenças na dieta ou localização geográfica (23). O emprego da abordagem metabolômica busca compreender o desempenho dos metabólitos, por meio da identificação e quantificação, trazendo informações sobre o seu mecanismo de ação (24,25). Essa ferramenta apresenta elevado potencial, considerando o seu caráter não invasivo e a estreita relação com o fenótipo (25). Em particular, o entrelaçamento da nutrição e da metabolômica, por meio da metabolômica nutricional, visa alcançar uma nutrição prognóstica e diagnóstica personalizada, tornando a nutrimetabolômica um dos caminhos mais promissores para melhorar os cuidados nutricionais e o tratamento dietético dos indivíduos no futuro (26). Adicionalmente, a metabolômica vem sendo empregada no campo da dietética, visando identificar novos biomarcadores de ingestão alimentar, juntamente com os métodos tradicionais (27). Diversas técnicas têm sido empregadas para estudar o metaboloma em amostras biológicas (soro/plasma, urina, saliva), fundamentalmente a ressonância magnética nuclear (RMN), a espectrometria de massa (MS) (acoplada a cromatografia líquida ou gás) e a espectrometria vibracional (VS) ou uma combinação de multiplataformas de análises, em conjunto com a análise estatística multivariada. Por meio da aplicação dessas técnicas, é possível separar, detectar, caracterizar e quantificar metabólitos, bem como elucidar suas estruturas e sua função nas vias metabólicas em que estão envolvidos. Destaca-se que cada técnica apresenta diferentes vantagens e desvantagens (25). A RMN tem sido útil para identificar novos compostos e elucidar vias metabólicas. Essa técnica, apesar de ser menos sensível, é quantitativa, não destrutiva e requer um preparo mais simples da amostra. Já a MS apresenta alta seletividade e sensibilidade, cujos recursos possibilitam a detecção de centenas de compostos em apenas uma medida, porém tem como principais desvantagens o preparo mais criterioso da amostra, além da mesma ser destruída após a análise (28). A VS é amplamente empregada para estudos in situ, devido ao seu caráter não destrutivo das amostras biológicas, permitindo ainda que elas sejam analisadas em grandes ou pequenas quantidades e em uma ampla faixa de temperaturas e estados físicos (29). Alguns fatores devem ser considerados para a definição da plataforma mais apropriada, como o tipo de abordagem metabolômica que será empregada (global, do inglês, untarget ou alvo, do inglês target), além da natureza da amostra biológica (30). Ressalta- se que a urina vem sendo indicada como principal matriz biológica nos estudos sobre consumo alimentar, pois pode apresentar concentrações mais elevadas de compostos derivados de alimentos e intervalos dinâmicos mais amplos do que os encontrados no sangue, que está sob rigorosa regulação homeostática. Sendo assim, os metabólitos detectados nessa matriz podem fornecer uma medida mais objetiva da ingestão dietética (31).
No campo dos estudos sobre expossoma alimentar, autores têm proposto a avaliação de painéis de biomarcadores multimetabólitos por permitirem uma estimativa mais confiável da exposição alimentar do que a abordagem tradicional de biomarcador único. Portanto, uma abordagem combinada utilizando dados de inquéritos dietéticos, juntamente com medições de biomarcadores dietéticos, é considerada uma excelente estratégia para melhorar a avaliação da exposição alimentar (20,32). Por exemplo, estudo realizado com o objetivo de identificar as associações dos metabólitos séricos com o consumo alimentar, avaliado por meio do diário alimentar pesado de quatro dias, em 119 indivíduos saudáveis, demonstrou que o consumo de carne vermelha, produtos cárneos/carnes processadas, aves, ovos e laticínios totais foram predominantemente associados aos aminoácidos de cadeia ramificada (BCAAs) valina, leucina e isoleucina, 3-hidroxibutirato e creatina. Ainda, os autores certificaram que as análises que consideraram a combinação de dois ou mais metabólitos demonstraram maior potencial para melhorar a precisão das informações sobre o consumo alimentar obtida por meio de métodos subjetivos (33).
Além da aplicação da metabolômica, o estudo de associação expossômica ampla (ExWAS - Exposome- Wide Association Studies) também tem sido utilizado nos estudos que envolvem o expossoma alimentar. Essa abordagem analítica, análoga ao estudo de associação genômica ampla (GWAS) em genética humana, está fundamentada em dados para a realização de estudos exploratórios em larga escala em expossômica, buscando validar analiticamente fatores ambientais associados ao estado fenotípico no contexto de doenças. O ExWAS tenta modelar sistematicamente todas as relações de pares entre um único fenótipo e exposições múltiplas, com o objetivo de identificar associações estatisticamente significativas enquanto controla os efeitos de comparações múltiplas (22). Por exemplo, o ExWAS foi usado com o objetivo de entender os efeitos do meio ambiente, incluindo a dieta, sobre a saúde cardiovascular. Foram estudados 5015 participantes, e as análises de ExWAS realizadas separadamente para seis desfechos cardiovasculares. Nesse estudo foram explorados fatores de exposição externos, incluindo a ingestão dietética de alimentos. Os resultados apontaram que a combinação de consumo frequente de toranja, tabagismo (>100 cigarros ao longo da vida) e o nível de escolaridade paterna destacou-se no modelo de multiexposição para doença arterial coronariana, observando-se que o consumo de toranja foi associado com a diminuição do risco dessa doença (34). Ressalta-se a necessidade de cautela na interpretação dos resultados provenientes de estudos do tipo ExWAS, considerando o risco de interpretar associações estatisticamente significativas ou espúrias diante das limitações em se estabelecer a direção causal entre exposição e desfecho. A utilização de dados autorrelatados representa uma fonte potencial de viés, introduzindo imprecisões nas estimativas de exposição. Ademais, a complexidade e a multifatorialidade das exposições ambientais dificultam sua categorização adequada, contribuindo para erros de classificação que podem comprometer a validade dos achados (35).
Constata-se que vários métodos têm sido empregados para otimizar a avaliação do expossoma alimentar, no entanto, os estudos ainda são iniciais apresentando uma diversidade de desenhos de estudo, abordagens metodológicas e técnicas analíticas. Pesquisas estão sendo desenvolvidas no sentido de esclarecer a relação da dieta, nutrientes e diversas exposições endógenas e exógenas em condições de saúde e doença ao longo de todo o curso da vida, visando o progresso na avaliação do expossoma alimentar de forma mais eficiente.
As estratégias de metabolômica vem favorecendo os estudos nutricionais nos ciclos da vida, classicamente baseado em dados de inquéritos dietéticos e de composição de alimentos. Diante de sua característica biopsicossocial complexa e variável, a dieta é um atributo individual de alto potencial exploratório em abordagens de expossoma (11), como descrito em vários exemplos a seguir, de acordo com as fases da vida.
Durante a gestação, as necessidades nutricionais maternas estão aumentadas devido a intensa divisão e multiplicação celular. A dieta da gestante e lactante impacta diretamente na programação metabólica do feto e recém nascido. A nutrição nos primeiros mil dias de vida, desde a concepção até o segundo ano completo, relaciona-se à programação fetal intrauterina, ao crescimento pondero-estatural, ao desenvolvimento neurocognitivo infantil e à saúde metabólica na fase adulta (36,37). Nutrientes como folato, colina, metionina, betaína, vitamina B12 e ferro participam como moduladores gênicos e cofatores de diversos processos metabólicos. Níveis gestacionais inadequados destes nutrientes resultam em desfechos negativos ao par materno-infantil, como defeitos de tubo neural, anemias, aborto espontâneo, pré-eclâmpsia, parto prematuro, baixo peso ao nascer e alterações no padrão de metilação do DNA, com consequências epigenômicas (37,38).
Em mulheres lactantes, o consumo de peixes influencia positivamente os níveis de ácidos graxos poli-insaturados da família ômega-3, como o -linolênico (ALA), o docosa-hexaenóico (DHA) e o eicosapentaenoico (EPA) no leite materno (39). Lactantes suplementadas com prebióticos (fruto-oligossacarídeos, FOS) apresentaram maior diversidade bacteriana no leite materno comparadas ao grupo controle (40). O crescimento infantil mais lento foi associado aos maiores teores de metabólitos de ácido linoléico (AL, família ômega-6), incluindo o ácido araquidônico, e menores concentrações de metabólitos de purina (como adenina, adenosina) e do metabolismo do glutamato e da glutationa (como D-glutamina) no leite materno (41). O desenvolvimento da microbiota intestinal humana tem início na gestação. O maior consumo materno de frutas e vegetais apresenta efeito benéfico, enquanto alimentos com alto teor de gordura, carnes processadas e frituras de imersão associam- se a efeitos deletérios na microbiota do feto (36), com efeitos que podem se refletir no desenvolvimento de doenças crônicas nas fases posteriores da vida.
A complexa interação entre nutrição nos primeiros mil dias de vida, microbiota intestinal e sistema imunológico está sendo investigada como fator contribuinte para a obesidade e demais doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como hipertensão arterial, dislipidemia, diabetes mellitus e doença cardiovascular. As DCNT estão intrinsecamente relacionadas entre si, podendo acometer o mesmo indivíduo simultaneamente ao compartilhar muitas disfunções fisiopatológicas e metabólicas. Em indivíduos com obesidade, detectaram- se alguns tipos de fosfatidilcolina, maiores concentrações de metabólitos de ácidos graxos saturados e menores de cadeias insaturadas, corroborando a associação entre obesidadeedisfunçãodometabolismolipídico(42). Outra análise de perfil metabolômico demonstrou que as concentrações do aminoácido serina e algumas fosfatidilcolinas acil-alquil correlacionaram-se inversamente à síndrome metabólica (43).
A alimentação pode modular o risco das DCNT, e estudos em expossoma alimentar demonstraram estes efeitos. Tomando como exemplo o café, que é uma das bebidas mais consumidas em todo o mundo, estudo com o objetivo de investigar se havia relação entre este consumo e o risco de desenvolver hipertensão em uma coorte brasileira de meia-idade verificou-se que o risco de hipertensão foi 20% menor em brasileiros não fumantes que apresentaram consumo moderado de café (1 a 3 xícaras/dia) (44). Outro estudo avaliou a associação entre o consumo de café e o perfil lipídico sérico no Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), e relataram que o consumo de café acima de 3 xícaras/dia mostrou-se associado ao aumento do colesterol total (CT), lipoproteína de densidade muito baixa do colesterol (VLDL-c), triacilglicerois (TAG) e lipoproteínas ricas em triacilglicerois (LRT), realçando a importância do consumo moderado desta bebida, embora rica em compostos fenólicos (45).
Outra linha de estudos investiga a adesão a padrões saudáveis, investigando a adesão à índices bem estudados na literatura. A abordagem dietética para tratar a hipertensão Dietary Approach to Stop Hypertension (DASH) preconiza alto consumo de antioxidantes, fibras, produtos lácteos com baixo teor de gordura e ácidos graxos insaturados, além da restrição de sódio, carboidratos refinados, bebidas alcoólicas, carne vermelha e processada. Esta dieta foi inicialmente proposta para controlar a hipertensão arterial, e atualmente parece contribuir para reduzir o risco cardiovascular e melhorar a resistência à insulina e a hiperglicemia (46). A adesão a dieta DASH associou-se inversamente ao risco de diabetes mellitus tipo 2 devido a modulações de metabólitos específicos das acilcarnitinas de cadeias curta, média e longa, envolvidas na oxidação dos ácidos graxos, e ácidos graxos poli-insaturados da família ômega-3 (46). A dieta mediterrânea, caracterizada pelo consumo de azeite de oliva, frutas, legumes, grãos integrais, oleaginosas, sementes e peixes, proporciona melhor perfil de consumo de ácidos graxos. Alguns dos mecanismos biomoleculares atribuídos a este padrão alimentar são a proteção contra a inflamação e agregação plaquetária, potenciais antioxidante e hipolipemiante, e produção de metabólitos intestinais mediados pela microbiota que atuam na estabilidade do genoma. Esta dieta tem sido associada a menor risco de desfechos cardiovasculares e desenvolvimento de comorbidades (47). Por outro lado, as dietas ocidentalizadas, caracterizadas por alto consumo de alimentos ultraprocessados e de carnes vermelhas e baixo de frutas e hortaliças, têm sido associadas ao aumento do risco para DCNT (48,49).
O alto consumo de ultraprocessados têm emergido, inclusive, como fator de risco para o desenvolvimento de alguns tipos de câncer, devido à sua alta densidade energética, baixa qualidade nutricional e alto teor de compostos químicos que acarretam excesso de peso, adiposidade central, distúrbios na microbiota intestinal, desregulação no sistema inflamatório e toxicidade por compostos carcinogênicos (49). Estudo de coorte incluindo adultos e idosos brasileiros demonstrou que o consumo de ultraprocessados acima de 20% da ingestão diária de calorias aumentou as taxas de declínios cognitivo global e das funções executivas em 28% e 25%, respectivamente (50). Nesta população, a ingestão alimentar de folato, naturalmente presente em feijões, vegetais verde- escuros, vísceras, frutas cítricas entre outros, associou- se a menor taxa de declínio cognitivo global anual (51).
Metabólitos derivados da dieta estão relacionados ao aumento dos sintomas de depressão, como menores concentrações de hipurato, decorrente do baixo consumo de frutas e hortaliças; concentrações elevadas de retinol, forma ativa da vitamina A, e dos edulcorantes manitol/sorbitol (52).
Os fatores externos ambientais e climáticos, a perda da biodiversidade e as alterações na dieta têm contribuído para o aumento da prevalência de doenças alérgicas, como dermatite atópica, asma, rinite e alergias alimentares. As dietas ricas em gorduras, açúcares e sódio; o aumento do consumo de aditivos alimentares (edulcorantes, conservantes, aromatizantes, estabilizantes, entre outros); o desbalanceamento na razão de ácidos graxos ômega-6/ômega-3, com maior proporção da família ômega-6; e o estresse oxidativo, resultante do baixo consumo de fontes de compostos bioativos com propriedades antioxidantes, podem desencadear e amplificar o processo inflamatório destas doenças (53).
No Brasil, a prevalência de insegurança alimentar e consumo de ultraprocessados aumentaram como consequência da pandemia de COVID-19 (54). Este perfil de consumo pode potencializar a resposta inflamatória dos indivíduos, acarretando reações adversas como estresse oxidativo, aumento dos biomarcadores pró-inflamatórios e infiltração de células do sistema imunológico com capacidade inflamatória (55). Enquanto o consumo de frutas e hortaliças (micronutrientes e polifenóis), aliados aos ácidos graxos ômega-3 derivados de peixes atenuam o processo inflamatório (56).
Devido ao papel essencial dos micronutrientes no sistema imune, infecções virais e defesa antioxidante, sua deficiência associou-se a maior gravidade e pior prognóstico em indivíduos com COVID-19 (56). Em indivíduos hospitalizados, as mudanças na dieta repercutiram no perfil metabolômico como a redução do metabólito sulfóxido de S-metilcisteína, encontrado no repolho, alho-poró, alho e cebola, e aumento de metabólitos derivados de flavorizantes (57).
O expossoma é uma abordagem crescente na pesquisa científica buscando a compreensão do papel das exposições na saúde humana. Isto é de especial interesse quando se trata da dieta, visto a sua importância como fonte de exposição ambiental a diversos compostos químicos e sua relação com diversos outros fatores ambientais. Desta forma, estudos do expossoma alimentar passaram a ser realizados e ampliados, como o ExWAS, que semelhante ao GWAS, busca validar de forma analítica fatores ambientais associados ao estado fenotípico no contexto de doenças, além da aplicação de métodos para caracterizar o metaboloma alimentar humano, o que caracteriza a nutrimetabolômica (11,12). Essas estratégias melhoram a avaliação do expossoma alimentar, visto o seu aspecto desafiador, principalmente em estudos que buscam associar as exposições à saúde e/ou risco de doenças.
No Brasil e no mundo, os estudos expossômicos vem crescendo mesmo diante dos desafios, sendo desenvolvidos a partir da combinação de abordagens mais tradicionais e a medição de biomarcadores dietéticos ao longo de todo o ciclo da vida, desde exposições materno-fetais, passando pela primeira infância até a vida adulta (1,6). Entretanto, cabe- nos ressaltar que ainda é um campo emergente de pesquisa, cuja literatura apresenta diversidade de desenhos de estudo, abordagens metodológicas e técnicas analíticas, sendo necessárias investigações adicionais para identificar e validar marcadores candidatos de componentes dietéticos e de padrões alimentares completos, bem como o uso de métodos padronizados, com critérios rigorosamente delineados, visando o progresso na avaliação do expossoma alimentar. Ainda, os estudos ExWAS apresentam algumas limitações importantes. Uma delas é a complexidade de medir e avaliar a vasta gama de exposições ambientais ao longo da vida, o que pode levar a dificuldades na coleta de dados precisos e completos. Além disso, esses estudos podem enfrentar desafios relacionados ao viés de confusão, já que muitas exposições estão inter-relacionadas, dificultando a identificação de associações causais específicas. Outra limitação é o alto custo e a necessidade de tecnologias avançadas para a análise de múltiplas exposições, o que pode limitar a quantidade de participantes ou a abrangência das pesquisas. Por fim, a interpretação dos resultados pode ser complexa, devido à grande quantidade de variáveis analisadas e à possibilidade de resultados espúrios ou falsos positivos. Entretanto, possibilitam uma abordagem abrangente na investigação das múltiplas exposições ambientais ao longo da vida, facilitando a identificação de fatores de risco anteriormente não detectados em estudos tradicionais (35). Além disso, esses estudos contribuem para a descoberta de novas associações entre exposições ambientais e condições de saúde, promovendo uma compreensão mais aprofundada dos determinantes ambientais da doença. Outra vantagem significativa é a capacidade de considerar múltiplas exposições simultaneamente, refletindo de maneira mais fiel a complexidade do ambiente em que os indivíduos estão inseridos. Por fim, apesar de suas limitações, os estudos ExWAS fornecem subsídios importantes para a formulação de estratégias de prevenção e para o desenvolvimento de políticas públicas fundamentadas em evidências robustas, visando à promoção da saúde coletiva, e, nesse sentido, muito promissores.
O estudo do expossoma alimentar é uma das estratégias promissoras para a compreensão dos efeitos das exposições ambientais, que incluem a dieta, abrindo caminho para a nutrição prognóstica e sua associação com os determinantes sociais. Espera-se que esses estudos possam evoluir e contribuir para melhor compreensão do impacto das exposições no desenvolvimento de doenças agudas e crônicas, e a implementação de políticas públicas abrangentes de promoção de saúde e qualidade de vida.
Agradecemos a Ashley Brito Valentim, mestranda da Universidade Estadual do Ceará, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva, Fortaleza, Ceará, Brasil, pelo auxílio na elaboração gráfica da figura do artigo.
Os autores declaram não possuir nenhum conflito de interesse.
Recibido: 07/11/2024
Aceptado: 07/08/2025